3 Dicas de Músicas para Dormir!

Músicas para dormir? 3 dicas!

Mal publiquei o artigo Insônia? A Música Pode te Ajudar, onde exploro o processo pelo qual a música pode ser uma forte aliada no combate à insônia, e já tinha gente me pedindo para recomendar músicas para dormir. Pois bem, aí vão três sugestões.

1. SLEEP (Max Richter)

Uma música de mais de 8 horas criada especialmente para dormir? Sim, existe.

O feito pertence ao compositor pós-minimalista Max Richter, de 55 anos completos em 2021.

Em 2015, depois de se consultar com neurocientistas e estudiosos dos meandros do sono, Richter criou SLEEP, uma experiência musical feita para durar simplesmente uma noite inteira. É seu projeto musical mais audacioso até hoje. E olha que ele é um compositor bem criativo e ousado.

A rádio inglesa BBC até entrou para o Guinness Book pela mais longa transmissão ao vivo da história depois de um registro integral de SLEEP. A performance começou à meia noite e terminou pouco depois de oito horas da manhã. Ao invés de poltronas, os espectadores receberam camas, centenas delas!, para literalmente dormir e viver SLEEP na sua plenitude. Isso aconteceu, aliás, em muitas performances ao redor do mundo.

SLEEP - gigantesca música para dormir

A música é calma, lenta, profunda e muito expressiva. Composta para piano, violoncelo, duas violas, dois violinos, órgão, voz feminina e sintetizadores. A ideia toda é fascinante demais. Não tem como não se aventurar, nem que seja apenas para conhecer do que é feita essa obra cujo propósito primeiro é ser uma música para dormir.

“É cada vez menos comum dormir bem e isso tem muita relação
com a maneira como é vivido o tempo em que se está desperto.
Todos estão simplesmente ultra estimulados e sempre exaustos.
SLEEP é meu acalanto para um mundo frenético.”

Max Richter

Não costumo usar música para este fim, mas na noite passada surpreendentemente adormeci com sucesso ao som de SLEEP. Prefiro a versão curta, com uma hora de duração, lançada no disco intitulado FROM SLEEP.

Compartilho o link para a versão integral, de mais de oito horas, e para a versão curta, de “apenas” uma hora. Fique à vontade para tentar embarcar numa noite de sono embalado por SLEEP. Basta clicar no link de sua preferência:

SLEEP (versão integral, com 8h30 de duração).

FROM SLEEP (versão compacta, com 1h de duração)

2. WEIGHTLESS – a música mais relaxante do mundo

Ainda que SLEEP tenha sido criada com ajuda de musicoterapeutas e outros especialistas do sono, a música eleita pelos neurocientistas como a mais relaxante e indutora do sono de todas chama-se WEIGHTLESS (trad.: sem peso, leve), da banda inglesa de ambient music Marconi Union, que aliás também contou com a ajuda de um grupo de terapeutas do sono para a criação da obra.

Cientistas ingleses do Mindlab International realizaram um estudo onde instruíam participantes a resolver complexos problemas enquanto eram monitoradas sua atividade cerebral, ritmo cardíaco, pressão sanguínea e respiração. Dr David Lewis-Hodgson, neurocientista da Mindlab, explica que WEIGHTLESS produziu um estado de relaxamento maior do que qualquer outra música testada até hoje, diminuindo os índices de ansiedade em até 65%.

O que ocorre é que a música tem um ritmo constante e cadenciado, começando a 60 batidas por minuto e gradualmente diminuindo até chegar e 50 bpm. Enquanto escutamos a música nosso ritmo cardíaco tende aos poucos a se ajustar ao ritmo da música. Esse abrandamento das batidas do coração promove a redução da pressão arterial e isso explica bem como se dá a magia de WEIGHTLESS.

Em sua concepção seus criadores tiveram o cuidado de usar os tais Binaural Beats, que é uma técnica de som que simula áudio 3D por meio de uma ilusão acústica. Essa prática é muito utilizada em tratamentos para reduzir estresse e ansiedade, aumentar a concentração, melhorar a qualidade do sono, entre outros exemplos. Foi de fato uma escolha bem adequada.

Fora isso a música não repete nenhuma melodia ao longo de seus oito minutos, o que permite que nosso cérebro realmente se desligue por não criar a expectativa estética de tentar reconhecer algum elemento musical ao longo do processo. Marconi Union saiu-se bem na missão de criar uma música para dormir que fosse de fato neutra e satisfazendo ao máximo esse propósito.

Se você quiser conhecer WEIGHTLESS (o álbum inteiro tem 42 minutos de música dividido em 6 faixas) basta seguir o link abaixo.

WEIGHTLESSMarconi Union

No vídeo abaixo, caso prefira uma visita rápida ao YouTube, você pode ouvir somente a primeira faixa.

É bom lembrar que Marconi Union é um grupo de música eletrônica e talvez, por mais que as virtudes antiestressantes de WEIGHTLESS sejam indiscutíveis, talvez não seja exatamente o gênero de música que combine com seu gosto, o que naturalmente é bem relevante para que uma playlist ou uma música qualquer possa te acalmar de fato.

Confesso que WEIGHTLESS não é algo que eu colocaria para tentar dormir, mas já ouvi o álbum inteiro algumas vezes e curto esse estado meio anestesiante que de fato provoca em mim. Uso esse efeito, no entanto, para ler e me concentrar em atividades que demandam muito do meu cérebro. Neste sentido, entendo que os participantes da tal pesquisa tenham curtido a possibilidade de resolver problemas intrincados se valendo desse estado meio “sem peso” do corpo e da mente.

3. DEEP SLEEP Classical Piano

Essa é uma playlist criada por mim no Spotify contendo peças clássicas para piano solo. Para relaxar e, eventualmente, dormir.

Dormir com música é um pouco complicado para mim, por mais que eu ame as músicas e as considere super serenantes. Por conta dessa relação mais visceral que tenho com música acho difícil fazer meu cérebro se desconectar da busca por compreensão ou apreciação do ato de ouvir. Não é que eu não consiga (vide minha última experiência com SLEEP, do Max Richter), mas prefiro não usar música para este fim.

Não costumo usar nada para adormecer, na verdade, embora muitas vezes eu faça meditações guiadas assim que deito. Adormeço depois, afinal, e não durante. Quando acontece de decidir ocupar o espaço sonoro com algo prefiro procurar por paisagens naturais, de modo geral com som de chuva (que também uso para me concentrar em outras situações). Funciona bem pra mim.

Mas não descarto essa promissora possibilidade. Acho que as pessoas podem se beneficiar muito de músicas para dormir e combater a insônia – ou simplesmente para amansar a chegada do sono. Por isso me dei ao trabalho de criar DEEP SLEEP Classical Piano. Não hesite em seguir ou marcar o coraçãozinho para que ela esteja sempre à mão na sua biblioteca do Spotify.

Fiz uma bela pesquisa a respeito e após selecionar as peças também escolhi cuidadosamente pianistas e performances que me agradavam e que estivessem dentro dessa ideia da busca por relaxamento. Encontrei uma mesma peça tocada de diversas maneiras e, veja só, algumas delas considerei até inadequadas. Curioso, né? A mesmíssima música, tocada por um excelente pianista, no entanto não se encaixava. O fazer musical tem mesmo muitas facetas…

Não acho que uma lista de músicas para dormir deva ser muito longa e por isso o conjunto todo soma menos de uma hora. Assim que o objetivo de se acalmar, relaxar ou sobretudo dormir for alcançado é indicado que a música cesse e deixe o sono continuar por si só, sem ficar interferindo seu curso com belas melodias e harmonias envolventes. Pode ser que faça uma revisão mais adiante, acrescentando ou removendo algumas peças, mas por ora estou bem satisfeito com o resultado. Use sem moderação!

  1. Chopin – Mazurka n°13, em lá menor (op.17 n°4)
  2. Satie – Gymnopédie n°1
  3. Debussy – Clair de Lune
  4. Chopin – Noturno em Ré bemol (op.27 n°2)
  5. Chopin -Valsa n°3, em lá menor (op.34 n°2)
  6. Beethoven – Adagio cantabile, 2° movimento da Sonata Patética (op.13)
  7. Bach – Ária da Corda Sol
  8. Brahms – Intermezzo em Lá Maior (op.118 n°2)
  9. Liszt – Consolação n°3
  10. Schumann – Estudos Sinfônicos (op.13, Variação V)
  11. Schumann – Cenas Infantis op.15 n°1, De Terras e Povos Distantes
  12. Schumann – Cenas Infantis op.15 n°7, Träumerei (Devaneios)
  13. Schumann – Cenas Infantis op.15 n°12, Criança Adormecendo
    (duração total: 55 minutos)

Concluindo

Essas são minhas três sugestões do que se pode ouvir para buscar o sono. O mais importante não é o estilo, mas sim que funcione pra você. Tenha em mente que músicas para dormir não devem ter letras rebuscadas, caráter muito dramático ou que tragam algum tipo de excitação, o que pode até surtir um efeito indesejado. É possível que o sono não seja tão reparador caso se esteja com sua audição emocionalmente engajada. Prefira peças mais calmas, neutras e sem letra. Playlists para meditação são outra boa dica. Pelo YouTube e nas plataformas de streaming de música há muitas possibilidades disponíveis. Faça uma tentativa de colocar música na sua rotina noturna e os resultados podem te surpreender bastante.

Aqui no blog publiquei um outro artigo – Insônia? A Música Pode te Ajudar – onde exploro melhor como a música consegue ter esse efeito desestressante, promover bem-estar e, em muitos casos, ajudar significativamente no combate à insônia. Aliás, o presente artigo foi motivado justamente por aquele outro.

Para lê-lo basta clicar aqui. Será um prazer compartilhar mais esse conteúdo com você.

Adoraria saber o que você achou deste artigo e se recomenda algum tipo de playlist para ajudar nas noites mais difíceis ou simplesmente pelo puro deleite de se ouvir música boa, que traga prazer aos nossos ávidos ouvidos.

Obrigado por me acompanhar até aqui e até breve!

Luiz

Insônia? A Música pode te ajudar!

“EXISTE MÚSICA CONTRA INSÔNIA?”

Desde que reapareci com mais frequência nas redes sociais as pessoas têm enviado perguntas para mim a respeito de música e arte de modo geral. Adoro isso, sinceramente, e resolvi dessa vez responder mais profundamente, pois é um assunto que chama muito minha atenção. Esse texto tem um jeitão assim de artigo de revista de saúde, mas acho que foi por uma boa razão. Espero que curta a leitura.


Música é uma forma de arte muito poderosa, como já se sabe. É muito usada para estimular e levantar os ânimos das pessoas, mas também pode trazer tranquilidade e ajudá-las a combater a insônia, por exemplo.

Ouvir música pode nos fazer adormecer mais rapidamente e nos proporcionar um sono mais profundo e reparador. Por ser algo tão fácil de se colocar em prática vale a pena a tentativa de adicionar esse hábito, pelo menos por algum tempo, na nossa rotina noturna que antecede a hora de dormir.

A MÚSICA AJUDA EM QUE, EXATAMENTE?

Canções de ninar embalam nosso sono desde criança e felizmente hoje se sabe que pessoas de todas as idades podem se valer desse precioso benefício musical.

Pesquisas com adultos mostraram que aqueles que ouviram pelo menos meia hora de música antes de ir pra cama começaram a ter sonos de mais qualidade já na terceira noite. O bom é notar que essa mágica parece ter um efeito acumulativo, pois foi relatado uma crescente melhora no sono à medida que o hábito foi sendo incorporado à rotina dos pesquisados.

Outro resultado animador dessas pesquisas é a diminuição do tempo que as pessoas levam para adormecer. Em poucas noites participantes de experimentos do sono relataram que a espera pelo sono diminuiu em até seis vezes!

COMO A MÚSICA CONSEGUE FAZER ISSO?

Conseguimos ouvir música porque dentro de nosso ouvido as ondas sonoras são transformadas em impulsos elétricos capazes de serem interpretados por nosso cérebro. Enquanto o cérebro recebe essas ondas e na nossa consciência reconhecemos os sons e os identificamos como música, uma cascata de sensações físicas são percebidas pelo corpo. Muitos desses efeitos agem diretamente para promover o sono ou ao menos reduzir o efeito de certos processos que o atrapalham.

Muitos desses estudos sugerem que é possível pensar numa música contra insônia por conta de seus efeitos no equilíbrio hormonal, incluindo o cortisol, o hormônio do estresse. Os elevados índices de cortisol causados pelo estresse nos deixam sobressaltados e alertas, nos induzindo a um sono de baixa qualidade. Ouvir música diminui os níveis de cortisol e isso explica porque acalma e ajuda a aliviar o estresse.

Além disso, música é capaz de estimular a produção de dopamina, o hormônio que liberamos quando fazemos atividades prazerosas, como comer, fazer exercícios e sexo. Essa produção pode trazer uma carga de sensações boas na hora de dormir, inclusive agindo sobre a dor, outra causa recorrente dos problemas de sono. Respostas psíquicas e físicas ligadas à música ajudam a reduzir tanto dores crônicas quanto agudas.

Ouvir música contribui para se chegar a um estado de relaxamento ao abrandar o ritmo de nosso Sistema Nervoso Autônomo. Esse sistema – conhecido também por sistema neurovegetativo – é a parte de nosso sistema nervoso que controla os processos automáticos ou inconscientes de nosso corpo, como a respiração, os batimentos cardíacos e o sistema digestivo. A música é capaz de ajudar nosso sono por acalmar esse sistema neurovegetativo, o que nos faz respirar mais cadenciadamente, diminuir o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea. Isso tudo acontece e a gente nem se dá conta!

Os sons noturnos da vida urbana – os que vêm de vias expressas, de aviões, máquinas, pessoas falando alto em bairros mais movimentados – diminuem bastante a eficiência do sono e estão associados a algumas consequências desagradáveis para nossa saúde, chegando até mesmo, veja só, a conspirar para o desenvolvimento de doenças cardíacas. A música encoraja o relaxamento físico e mental, deixando esses ruídos urbanos em segundo plano e colaborando para uma chegada menos conturbada do sono.

MÚSICA CONTRA INSÔNIA. QUAL O MELHOR TIPO?

Depois de dar tantos argumentos a favor dessa ideia, qual seria então, afinal, o melhor tipo de música para induzir o sono? Diversos estudos debruçaram-se sobre o assunto, analisaram diversos gêneros e playlists, mas até agora não há um consenso neste aspecto. Normalmente essas pesquisas usam listas de músicas criadas pelos próprios participantes ou buscam playlists já prontas, como as que encontramos no YouTube ou em outras plataformas de streaming como Spotify.

As preferências musicais de uma determinada pessoa é um dos fatores mais significativos em como a música vai afetar seu corpo e sua mente. Incluir músicas que sejam consideradas relaxantes, que sejam associadas a momentos tranquilos ou até mesmo que tenham sido usadas com sucesso no passado para facilitar a chegada o sono funciona muito bem. Eu mesmo fiz uma playlist exatamente com o que eu gosto. Já é meio caminho para uma experiência promissora.

Outro fator muito importante a se considerar é o tempo – a velocidade, a cadência – da música. O tempo de uma música normalmente é mensurado em BPMs (batidas por minuto). A maioria dos estudos selecionou as que têm entre 60 e 80 BPMs, pois um coração tranquilo, em repouso, costuma bater nesta mesma frequência. Estima-se que o corpo tende a se sincronizar com músicas de velocidade assim mais baixas.

As playlists prontas que encontramos e que podem ajudar neste processo normalmente foram curadas especificamente como indutoras do sono ou para relaxamento e meditação. É muito comum que tenham como referência gêneros normalmente mais calmos, com peças clássicas (muitas vezes para piano solo) mais introspectivas.

Você pode e deve experimentar playlists variadas até encontrar uma que combine com seu estilo e que de fato te traga calma e relaxamento. Pode ser uma boa ideia testar algumas diferentes durante o dia para ter uma prévia da sensação que elas te trazem antes de aplicá-las à noite, na hora de dormir.

Publiquei um outro artigo aqui no blog – “Música para Dormir? 3 dicas!” – justamente recomendando algumas músicas para este fim. Venha ler e conhecer minhas cuidadosas sugestões.

“Algumas vezes a música é a única forma de melhorar a vida!”

JANIS JOPLIN

5 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES!

Apesar de toda essa defesa dos benefícios do ato de se ouvir música para dormir, é importante destacar que o ideal mesmo, claro, seria a conquista da chegada do sono sem uso de nenhum truque ou subterfúgio. É deitar e dormir, naturalmente. Não sendo possível ficam valendo todos esses argumentos expostos neste texto e a eles acrescento as seguintes recomendações:

  1. Aconselho que se faça playlists curtas para que não invadam seu sono por muito tempo. Seria perfeito se adormecêssemos tão logo a sequência de músicas chegasse ao fim, mas é claro que isso dificilmente acontece.
  2. Música contra insônia deve ser de preferência instrumental, sem letra, e que não nos excite ou chame muito nossa atenção. Neutra mesmo. Quando peças muito marcantes são usadas em playlists mais longas, estudos apontam que elas têm o potencial de interromper nosso sono e ficarem demoradamente ecoando em nossa memória. Isso nos proporciona um sono não reparador.
  3. Além de músicas, tente também paisagens sonoras como de ventos soprando folhas de árvores ou som de chuva. Eu, por exemplo, adoro dormir ouvindo uma chuvinha fina. Coloco bem baixinho e é de grande ajuda em noites mais agitadas. Os aplicativos de meditação como Calm ou Headspace costumam ter várias paisagens sonoras deste tipo. No YouTube também se encontra em grande número.
  4. Tenha cuidado com fones de ouvido. Adormecer com eles pode atrapalhar a continuidade do sono ou até mesmo machucar você.
  5. Tente criar uma rotina noturna. A partir de certa hora evite telas ou pelo menos ative algum filtro de luz azul no seu tablet ou smartphone, pois é sabido que a luz azul inibe a produção de melatonina, o hormônio do sono. A adoção de determinados rituais nas horas que antecedem o sono funcionam tremendamente. Procure ler um pouco, vista o pijama (ou algo correspondente) e procure fazer atividades mais calmas. Deixe o corpo entender, pelo hábito, que está chegando a hora se desligar e descansar.

CONCLUSÃO

Música pode inspirar e entreter, mas também promove poderosos efeitos psicológicos e físicos para aumentar sua saúde e bem-estar. Ao invés de ver a música apenas como entretenimento, considere essa possibilidade de se valer desses enormes benefícios ao incorporar mais intencionalmente a música à sua vida cotidiana. Provavelmente você vai se surpreender por sentir cada vez mais motivação e relaxamento.

Nem é necessário que você toque de fato um instrumento. É claro que a relação com a magia da música fica ainda mais intensa quando colocamos as mãos nela, literalmente, mas basta ser apenas um bom ouvinte e apreciar esta e outras artes para se valer de suas virtudes curativas e estimulantes.

E então, você já teve alguma experiência assim mais intensa com música? Já foi ajudado de alguma forma num momento difícil ou até mesmo, em se tratando do assunto tratado nessa postagem, já se utilizou de música para embalar seu sono e conseguir escapar do monstro da insônia? Comente aqui sobre isso e se esse texto te inspirou a tentar algo diferente na sua rotina de final de noite.

Ah, e não se esqueça de ler meu outro artigo dando dicas de algumas playlists e músicas contra insônia.

Obrigado por me ler até aqui.
Até a próxima! ♫

Só a Arte pode nos salvar

So a Arte pode nos salvar

ANTES DE MAIS NADA

Prezado leitor, prezada leitora, preciso te dizer que escrevo essas linhas em pleno mês de novembro de 2018.

Tomo este cuidado porque não é difícil imaginar que você possa estar me lendo no futuro, distante do meu presente. Por isso, para entender a motivação deste texto, é importante que eu ilustre rapidamente o contexto ao me redor.

EXTREMOS QUE NÃO SE TOCAM

Acabaram de acontecer as eleições presidenciais no Brasil e por conta disso uma intensa polarização política que vem se acumulando e se agravando nos últimos tempos atingiu seu ápice. Chegou-se num ponto onde o país ficou totalmente dividido. Famílias rachadas ao meio, amizades de longa data se desintegrando, discursos de ódio se inflamando nas ruas e nas redes sociais.

Nas últimas semanas fui sugado por esse debate e me vi tomado por essa febre de discordância e perplexidade. Afastei-me do piano, me engajei em discussões políticas… Só se falou nisso! Não havia espaço para mais nada!

Me vi sem energia, sem esperança, questionando as boas intenções das pessoas mais queridas. E vice-versa, o que é pior. Uma coisa horrorosa de se sentir.

Depressão.

Fiquei quase um mês sem encostar no piano, sem parar pra ouvir música ou nada que me puxasse para fora desse estado. Quem não viveu na pele este momento terá dificuldade em imaginar o quão agoniante foi presenciar isso tudo e ao mesmo tempo não conseguir fazer outra coisa que não vivenciá-lo.

VOLTAR À TONA

E foi então que aconteceu: sentei-me ao piano e quase pude ouvi-lo me indagar “e aí, rapaz, por onde tem andado?”. Meio erraticamente fui dedilhando algumas notas, procurando acordes, tentando reencontrar os caminhos que conheço tão bem. Quando dei por mim estava tocando, absorto, e um grupo de pessoas me assistia.

Em poucos instantes ficou cristalino aos meus olhos como toda essa balbúrdia emocional a que estamos sujeitos na verdade é algo pequeno diante do que realmente importa.

Uma humildade profunda tomou conta de mim. “Sou mera poeira cósmica”, percebi enquanto tocava um noturno de Chopin. Esses conflitos todos, esses elaborados argumentos que parecem tão importantes e que nos levam a querer esfregar supostas verdades na cara dos outros como se fôssemos as pessoas mais esclarecidas do mundo (ah, como adoramos estar com a razão). Isso não é nada.

Isso não nos define. Isso não nos enleva. Não revela de fato quem somos, o nosso valor diante do mundo, das coisas e das pessoas. Há algo que paira acima disso tudo, algo que atravessou os tempos desde nosso primeiro suspiro como espécie, para além dos fins e dos começos, cravando nas paredes das cavernas, nas telas, nos afrescos de igrejas, nos livros e partituras o registro realmente verdadeiro do que somos como civilização e que nos diferencia de todos os outros seres vivos: a Arte.

UMA OBRA DE 64.000 ANOS

Não importa que parte do espectro político nos parece a mais certa ou que discurso ideológico está por trás de nossas palavras. Não importa em que tempo e em que ponto do planeta nascemos, qual nossa religião, nossa língua materna… Nada fará diferença. A Arte nos arrebatará a todos, inexoravelmente.

E nos ultrapassará no tempo, sempre, como tem feito ao longo de milênios. Só ela consegue criar um elo entre o que somos hoje, em 2018, e nossos semelhantes pré-históricos de mais de 60.000 anos atrás. isso não é absolutamente incrível?

Pinturas feitas supostamente por neandertais há 64.000 anos atrás, 20.000 anos antes do Homem Moderno chegar à Europa!

E justamente esse poder de criar conexão é que mais me chamou atenção ali naquele momento. Arte é uma das formas mais primordiais de comunicação do ser humano. Ela nos aproxima e nos permite compreendermos uns aos outros, sejam amigos próximos ou completos estranhos.

CONEXÃO

Sentado naquele piano eu podia sentir a presença e uma reconfortante troca de energias com as pessoas ali presentes. Pouco antes de começar estávamos tendo uma franca discussão, uma parte do grupo inclusive estava bem acalorada, e momentos depois estávamos todos placidamente ouvindo Chopin.

“Arte é uma maneira de falar com estranhos”

Eu mesmo, que há semanas me sentia ensimesmado e desesperançoso, redescobria um motivo para acreditar em algo, acreditar nas pessoas independentemente de qualquer coisa. Estávamos todos sorrindo, unidos através da música de uma maneira muito única e inexplicável.

A ETERNA LUZ NO FIM DO TÚNEL

Nunca a célebre frase do pintor Gerhard Richter – “Arte é a mais elevada forma de esperança” – fez tanto sentido pra mim. Estava tão vividamente confirmada e validada que seria capaz de tatuar em minha pele. Tornou-se uma de minhas verdades.

Para além de suas propriedades terapêuticas, a Arte pode trazer significado e propósito para nossas vidas. Não precisa ser um artista para se valer dessa força. Independente do que se faça da vida, estar em contato com essa face sublime da nossa humanidade – a criatividade – pode nos fazer olhar para nós mesmos de maneira mais elevada, colocando em perspectiva nossos desafios e dificuldades e acreditando que podemos ir mais longe e mais alto.

É preciso valorizar aquilo que nos faz humanos, não perdermos de vista nossa essência e o que somos capazes de realizar. Viver sem Arte não é uma opção. É o verdadeiro legado de uma civilização, capaz de tornar qualquer cultura verdadeiramente imortal.

SOMOS TODOS TERRÁQUEOS

Sabe em que todo governo deveria investir largamente? Enviar seus artistas nacionais para fora e trazer os artistas estrangeiros para dentro, num contínuo ir e vir cultural e artístico. Quanto mais se promovesse este movimento mais estaríamos conectados uns aos outros em nível global, mais nos veríamos como habitantes do planeta Terra e não “brasileiros”, “franceses”, “chineses” ou “egípcios”.

Ao celebrar nossa humanidade mais fundamental, estaríamos automaticamente promovendo o entendimento maior entre todos os povos, uma compreensão vasta e abrangente de si mesmo e do outro. O mundo está precisando disso: se conhecer, se aceitar, se admirar, se conectar.

Se podemos sentir uma ligação com um neandertal de 60.000 anos atrás, por que tem sido tão difícil fazê-lo com uma pessoa logo ao lado e até mesmo com um familiar ou um amigo de infância?

MISSÃO

Só sei que me levantei do piano naquela tarde me sentindo aliviado e com meu propósito de vida renovado: fazer da minha Arte algo bom, verdadeiro, e humildemente compartilhá-la com o mundo que me cerca para servir às pessoas da forma mais luminosa. Essa ideia de “estar a serviço dos outros” enobrece muito a tarefa do artista (aliás, de qualquer pessoa). É uma noção que ganhou uma nuance totalmente nova para mim.

Olhemos para cima e tenhamos a percepção de que somos feitos de algo muito maior, uma noção capaz de nos fazer – não só eu e aquele pequeno grupo em torno do piano, mas também as outras quase oito bilhões de almas vivas – cantar numa só voz a maravilha de sermos humanos.

Só a Arte pode nos salvar!

“Arte é a mais elevada forma de esperança”

 *   *   *

Olá! Que bacana que você chegou até aqui. Espero que tenha curtido a leitura!

O resultado fulminante da publicação deste artigo e todo o feedback em comentários e emails que recebi é que foi absolutamente inevitável que eu arregaçasse minhas mangas e fizesse minha parte, exercendo minha função primordial como artista. Fazer Arte! Literalmente, com todas as minhas forças, passando por cima de qualquer resistência ou obstáculo. 

No finalzinho de 2018 fiz uma campanha de financiamento coletivo que me permitiu gravar um novo disco com minhas composições para piano solo. A campanha foi um sucesso e ainda no primeiro semestre de 2019 já estava com meu álbum La Liberté gravado. ♫

Em seguida, mais uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar uma turnê na Europa, que também deu super certo. A viagem aconteceu logo depois do lançamento do disco numa noite memorável, na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro. Era final de outubro de 2019 e a sala estava cheia, tendo a récita sido transmitida ao vivo pela Radio MEC-FM. Poucos dias depois embarquei para recitais no Porto, em Paris, em Londres e em Edimburgo.

Plenitude absoluta. Isso sim é fazer minha arte com toda a força. Que a vida me permita continuar humildemente fazendo isso e levando essa missão pessoal cada vez mais longe.

Se você tiver curiosidade para conhecer La Liberté, está disponível nas melhores plataformas de streaming. Para abrir no Spotify, basta clicar aqui.

Obrigado mais uma vez. Até a próxima postagem! 

Luiz

Do Êxtase ao Desencanto (parte 2 de 5)

VEM COMIGO?

No post anterior, onde falo da origem da minha paixão musical a partir do primeiro êxtase, o texto se encerra no preciso momento em que eu mudava de professora e buscava orientação mais profissional. Afinal, meu interesse pela Música tomava proporções realmente “assustadoras”. E é sobre isso que escrevo agora. 

UMA NOVA MESTRA PARA UMA NOVA FASE

No início de 1990, um ano e meio depois de minha primeira aula, fui até o Conservatório Brasileiro de Música para conhecer minha nova professora, Maria Tereza Soares. Ela é, até hoje, uma das melhores professoras de piano do Rio de Janeiro. Eu podia prever que uma época cheia de possibilidade estava bem diante de mim!

Nossa relação professora-aluno era maravilhosa e tínhamos uma sintonia tremenda. Sob seu rigoroso olhar estudei ainda mais que antes e tive uma evolução imensa entre 1990 e 1991. São dessa época minhas primeiras experiências em competições de piano em nível nacional.

Maria Tereza Soares

Eu vinha carregando comigo desde sempre esse encantamento pela criação musical. Tinha esse sonho quase infantil de um dia poder tocar minhas composições nos grandes palcos da Europa e ser valorizado e reconhecido como compositor. Soava até meio ingênuo, né?

A verdade é que à medida que fui crescendo e, digamos assim, “botando os pés no chão”, esse sonho cada vez mais parecia inalcançável e fora da realidade. Meu interesse foi naturalmente migrando para o trabalho de intérprete, onde acreditava que poderia de fato ir mais longe.

COM APOIO TUDO FICA MAIS FÁCIL

Conservatório Brasileiro de MúsicaO ano de 1992 chegou abrindo portas. Eu tinha então 16 anos. A direção do CBM (Conservatório Brasileiro de Música) foi procurada pelo Montrealbank, que pretendia investir na formação de um jovem estudante de música. Alguns alunos foram selecionados para participar do “concurso” e, algumas horas depois, foi anunciado que o escolhido tinha sido eu!

A bolsa de estudos oferecida pelo banco era um sonho: nunca mais gastaria um centavo sequer com mensalidades, nem com afinações do meu piano e nem mesmo na compra de partituras, aqueles gordos livros com sonatas de Beethoven ou estudos de Chopin.

E mais: minha contrapartida como bolsista era estar sempre disponível para representar o Conservatório em situações diversas. Era mais ou menos assim: “temos que enviar alguém para fazer a inauguração de uma escola de música lá na Bahia. Ora, chamem o bolsista!”. Acontece que essa “obrigação” era o maior benefício de todos! É o famoso ganha-ganha.

Por conta disso me apresentei muito neste período e praticamente deixei a criação musical de lado. Meu objetivo principal era me tornar um pianista! Suei a camisa, criei calos nos dedos e alcei os voos que me cabiam.

Aos 17, terminei o Ensino Médio e chegou a hora de escolher uma faculdade. Nesta mesma época o Montrealbank resolveu cancelar sua parceria com o CBM. Por um momento fiquei na dúvida: como seria o meu futuro?

ALTITUDE DE CRUZEIRO… 

Não, não foi preciso deixar a instituição que me recebeu de braços abertos e que sempre cuidou de minha formação tão cuidadosamente. Com o generoso apoio da diretoria do Conservatório Brasileiro de Música – através das incríveis Cecilia Conde e Marina Lorenzo Fernandes – me foi feito o convite para continuar na casa e lá realizar minha graduação em piano. A bolsa de estudos seria bancada pelo próprio CBM, incluindo as afinações, partituras e tudo mais, exatamente como sempre foi!

Durante o curso, fiz amigos, viajei, dei muitos recitais, cultivei uma relação quase de família com minha mestra Maria Tereza, cresci pessoal e profissionalmente. Como tem que ser, voando alto.

E SURGE O SEGUNDO MESTRE

No início da faculdade, em 1995, conheci meu segundo grande mestre: Luiz Carlos de Moura Castro, uma pessoa iluminada com o dom de fazer e ensinar música. Ele vivia nos Estados Unidos, em Hartford (Connecticut), mas vinha ao Brasil pelo menos duas vezes ao ano para ministrar masterclasses de alto nível e também para dar concertos. Tocava e lecionava no mundo todo, aliás. Um verdadeiro mentor global.

Luiz Carlos de Moura Castro

Criamos uma relação de grande amizade e respeito. Lembro do meu encanto ao ouvi-lo tocar São Francisco Caminhando Sobre as Ondas, de Liszt, uma peça quase celestial que pode facilmente perder sua beleza por conta de sua difícil execução. Foi na Sala Cecilia Meireles, durante o I Festival Liszt do Rio de Janeiro. Monumental. Virei um fã!

Luiz De Simone

Tocando no Festival Liszt (1995)

Vejam bem, nunca deixei de ser aluno da Maria Tereza e ao longo da faculdade fui recebendo essa carga dupla de informação e influência até minha formatura, em 1998. Foi uma oportunidade e tanto ter vivido isso assim dessa forma e a aproveitei o máximo que pude.

O FUTURO E OS PRIMEIROS PASSOS COMO PROFESSOR

Pouco antes de me formar comecei a dar aulas de piano. Precisava analisar minhas alternativas para o futuro. Para muitos músicos, às vezes é inevitável considerar a possibilidade de uma atividade pedagógica tão ou mais intensa que a de performance. O prazer de ensinar foi uma grande descoberta na minha vida. É algo que faço com extremo prazer até hoje, inclusive.

BlackboardNeste contexto fui aos poucos fazendo planos com o Moura Castro de fazer mestrado nos Estados Unidos e me tornar seu aluno em tempo integral, tendo o privilégio de completar minha pós-graduação numa instituição forte como a Hartt School of Music, divisão de música da Hartford University.

Logo depois de minha formatura no Conservatório Brasileiro de Música, coroando o maravilhoso trabalho com minha querida mestra, fui para Hartford fazer a prova de admissão. Uma experiência e tanto! Fui aprovado e ganhei uma bolsa de estudos oferecida pela própria Hartt School!

Meu trabalho a seguir era conseguir o apoio final do governo brasileiro e fiz uma prova para obter a desejada bolsa de estudos da CAPES. Outra vez, fui aprovado! E, num desses luminosos momentos da vida, me preparei para a grande viagem.

MESTRADO NOS ESTADOS UNIDOS! #SóQueNão

A viagem estava marcada para o dia 29 de agosto de 1999. Já estava de malas prontas quando me chega a notícia-balde-de-água-fria: o governo Fernando Henrique Cardoso tinha cortado quase todas as bolsas de estudo naquele ano, inclusive a minha. Faltando apenas um mês para a partida descobri que não iria mais.

Paint Broken Piano(pausa para remoer frustrações da vida)

Eu tinha me preparado ao máximo, estava no meu ápice como pianista, e esta decepção teve um impacto fulminante.

Não é questão de não saber lidar com fracassos. Ao se trabalhar com alta performance, seja em que campo for, o fracasso faz parte do processo. A falha, o erro, é fundamental para se crescer. Já fui eliminado em um concurso de piano, já fiz más apresentações, já me desiludi e me decepcionei com situações e pessoas diversas, mas tudo isso normalmente só fortalece nossa determinação. Não dessa vez.

DESILUSÃO FATAL

The Lady @ The Broken PianoDessa vez algo se quebrou. Anos de entrega quase absoluta e eis que, aos 24 anos, me faltou firmeza nas pernas e caí.

O ano 2000 chegou e, junto com o Bug do Milênio, deu erro na minha Arte.

A vida é um espectro vasto de emoções, luz e sombra, êxtase e desencanto, parece uma obra de Beethoven. Viver tudo isso na pele de um artista é uma experiência dolorosa, é preciso dizer.

No entanto, eu não fazia ideia do que ainda estava por vir. 

Logo ali adiante…

(Pequena Autobiografia, parte 2 de 5)

* * *

E eis a segunda parte da minha odisséia como estudante, pianista e amante da Música durante os anos 90, período da minha formação. Torço para que você tenha gostado e aguardo seu retorno aqui para ler a terceira parte desta pequena autobiografia, combinado?

Se você não leu a primeira parte desta história, não deixe de conferir o artigo O Primeiro Êxtase.

Adoraria se você deixasse um comentário dizendo se curtiu o texto ou, melhor ainda, dizendo se na sua formação também viveu alguma decepção que tenha sido capaz de mudar sua trajetória. Quando tudo parecia tomar um certo caminho, pronto: de repente uma nuvenzinha preta paira sobre nossas cabeças e faz com que a gente pare para repensar um pouco o caminho a seguir.

Respondo todos os comentários, viu? Será um prazer ler você aqui.

Até a próxima postagem! 

Luiz

O Primeiro Êxtase! (parte 1 de 5)

O PRIMEIRO ÊXTASE

– Tudo começou com um êxtase.

É assim que respondo quando alguém me pergunta como foi que comecei a me envolver com a música. Resolvi sentar aqui, remexer nas minhas memórias e escrever sobre o que está por trás dessa frase. Te convido a me acompanhar. Vamos lá?

Tente visualizar este contexto: meu pai tocava violão desde sempre e testemunhou o nascimento da Bossa Nova; minha mãe estudava Musicoterapia e fez de mim uma verdadeira cobaia de seus estudos de musicalização infantil; meu irmão tocava bateria em blocos de rua e minhas irmãs, além de estudarem piano, viviam aventuras com sua banda de covers. Uma boa salada de estilos musicais, não?

E tinha uma cena que me atraía muito quando acontecia, quase que semanalmente. Meu pai gostava de ouvir música clássica em alto volume na sala de casa. Ele se sentava no sofá e ficava de olhos fechados, absorto, quase meditativo. Comentava, emocionado, sobre os trechos das peças que mais o impactavam. Eu adorava me sentar ao seu lado e ficar compartilhando esses momentos com ele.

Apesar de todo esse particular contexto musical, sabe qual era meu sonho mesmo? Ser jogador de futebol! Até meus 11 anos só pensava nisso. Jogava todos os dias com meus amigos e um dia sequer sem bola me deixava até triste. Pois foi após uma intensa tarde futebolística que se deu o acontecimento que mudou minha vida para sempre.

A CULPA É DO SCHUMANN!

Nas minhas memórias foi assim: cheguei da rua imundo, exausto e fui tomar banho. Era finalzinho de tarde. Minha mãe preparava o jantar e a qualquer momento me convocaria para sentar à mesa. Enquanto isso não acontecia resolvi estrear os sofás novos que tinham chegado naquela tarde dando um salto e caindo pesadamente sobre as almofadas ainda plastificadas.

À procura de algo para fazer, remexi a gaveta onde meu pai guardava suas fitas cassete (ah, anos 80…) e procurei aleatoriamente por alguma música clássica para ouvir. Por que clássica? Não sei. Acho que queria editar da maneira mais fiel possível um daqueles momentos musicais com meu pai, ainda que sem a presença dele, numa clara demonstração de independência e auto-suficiência.

A fita escolhida, da tradicional gravadora DECCA, tinha dois concertos para piano e orquestra. No lado A era o concerto de Grieg e no lado B o concerto de Schumann. Como a fita estava já no lado B, naturalmente foi o concerto de Schumann que ecoou pela casa enquanto o empadão de frango estava no forno.

Fitas clássicas da gravadora DECCA.As clássicas fitas da DECCA.

Ouvi atentamente os quase trinta minutos de música. Minha impressão depois de ouvir? Legal. Música bonita. Mas música clássica é assim: de primeira não dá pra falar muito a respeito. Achei bacana e pronto.

No entanto, não sei bem explicar o porquê, nos dias a seguir continuei ouvindo o mesmo lado B. Curioso que não virava a fita e ouvia o lado A com o concerto de Grieg. Eu sempre voltava o lado B todo (quem conviveu com toca-fitas sabe que levava um bom tempo até que a o aparelho rebobinasse tudo até o início). E eu tinha um walkman, que era um toca-fitas portátil que funcionava à pilhas. Hoje em dia deve parecer um trambolhão, mas naquele tempo era algo altamente descolado e moderninho. Ouvir música enquanto andava na rua? Nossa, que coisa do futuro! Ouvia o concerto de Schumann em todo lugar, do início ao fim, todos os quase trinta minutos, na íntegra.

Walkman. Puro anos 80!Um legítimo Walkman. Tão anos 80…

E foi então que aconteceu. Estava deitado em minha cama com o walkman ao meu lado ouvindo o concerto em alto volume nos fones de ouvido. Naquele dia, depois de tantas ouvidas atentas, eu já sabia tudo o que ia acontecer. Sabia que depois de um trecho em que as cordas entoavam o tema do primeiro movimento, em seguida o piano entraria e faria uma versão amplificada do tema, com a mão esquerda indo e vindo enquanto a mão direita fazia acordes com cada vez mais notas, a textura se encorpando, crescendo, fazendo o piano ocupar todo o espectro sonoro com seu poderoso som. Já esperava, logo adiante, a entrada da clarineta pra fazer um belo e nostálgico tema acompanhado pelo piano em suaves arpejos…

Ouvir aquele concerto conhecendo cada segundo do que estava por vir me impactou profundamente. De repente fui tomado por uma sensação arrebatadora, algo que sequer suspeitava que poderia existir. Eu estava sem ar e lágrimas escorriam pelo meu rosto. Era um choro diferente, não era dor. Era uma criança de 11 anos descobrindo o êxtase da Arte.

Eu não entendi porque estava chorando. Fui conversar com minha mãe, meio assustado, até. Ela me explicou que não tinha nada de errado, que eram apenas “lágrimas de beleza” por ter gostado muito da música. E pronto, a partir daí tudo mudou. Agora eu precisava estudar piano, precisava tocar Schumann!

O futebol? Bom, eu não sabia, mas trocaria a bola pelo piano pelo resto da minha vida.

Robert Schumann (1810/1856)A culpa é dele!

A PRIMEIRA AULA DE PIANO

Minha mãe sem querer fez tudo ao contrário. A princípio colocou minhas irmãs para aprender piano. Era uma decisão tradicional, fazia parte da educação e coisa e tal. Depois, já estudante de Musicoterapia e conhecedora de novas técnicas, métodos e filosofias de ensino, resolveu que não deveria forçar as filhas a estudar contra a vontade. Numa tarde dessas da vida, reuniu as duas e disse: “quem não quiser mais estudar piano pode sair da aula”. Bastou isso e as duas decidiram na mesma hora encerrar com as semanais visitas ao Conservatório Brasileiro de Música. Isso marcou minha mãe e ao longo da minha infância ela estava decidida a só me colocar em aulas de qualquer instrumento somente se eu quisesse muito!

Pois bem, depois de ter descoberto o êxtase da Arte comecei a querer aprender piano. Observava minha mãe tocar e ela me ensinou, assim só no olho, sem partituras, a primeira parte de Pour Elise, de Beethoven (aquela música massacrada de tanto que foi usada em esperas telefônicas, em caminhões entregadores de gás e afins). Depois encontrei a partitura da peça e, por já saber tocar uma parte, por associação acabei aprendendo os fundamentos da leitura. Meu interesse só aumentava e minha mãe nada de me colocar pra fazer aula.

Minha primeira partitura escrita (1987).Partitura mais antiga, de 1987.
Aos entendidos, por favor perdoem
os equívocos de um jovem aspirante
a músico que ainda não tinha tido
sequer sua primeira aula!

Comecei a criar música, inclusive escrevendo minhas próprias partituras (foto acima). Estava super envolvido e passava boa parte do meu dia estudando, lendo livros sobre música e ouvindo os grandes compositores. A esta altura, já com 12 anos – aproximadamente um ano depois do evento Schumann, era um ávido pesquisador de gravações e montava meu acervo que eu próprio gravava da rádio (Clássicos JB, todos os dias às 20h). E nada de aula de piano… Um dia tive que fazer um comício em casa, defendendo meu direito de poder estudar apropriadamente, com um profissional, afinal já tinha aprendido a ler partituras, já tocava, compunha e escrevia minhas músicas! O que mais seria necessário fazer para demonstrar meu interesse?

Classicos JB FM de Março de 1990. Um achado!

Finalmente consegui. Minha mãe afrouxou suas Novas Regras Para Lidar com a Educação Musical dos Filhos e recebemos a visita da prestigiada professora Angela Schettino em nosso apartamento para uma entrevista. Tudo certo: marcamos a primeira aula e eu mal aguentava esperar. Foi um dia tão importante para mim que nunca mais esqueci: era dia 5 de agosto de 1988, uma sexta-feira, às 16h30, num antigo prédio da rua Barata Ribeiro número 678, em Copacabana. Memória indelével.

A INEVITÁVEL OBSESSÃO

Foram anos de muito, muito estudo. Para alguns pode parecer algo até meio obsessivo e exagerado. Mas, francamente, qual artista não é obsessivo? Aliás, seria possível ser artista ou se dedicar febrilmente a qualquer atividade da vida sem um toquezinho de obsessão? O que seriam dos grandes atletas, dos grandes dançarinos ou dos artistas do Cirque de Soleil, por exemplo, sem essa motivação visceral de se aperfeiçoar e superar seus limites? Só mesmo movido por esse desejo extraordinário para conseguir aguentar tantas horas seguidas de trabalho, dizendo não para tantas coisas bacanas que surgem e tentam captar nossa atenção, tirando nossa concentração e foco de determinada atividade. Já toquei até sangrar muitas vezes ao longo da minha vida de estudante. Como parar? Não dá, é incontrolável!

Por conta dessa entrega tão absoluta evoluí bastante nos dois primeiros anos de estudo. Em 1990 acabei mudando de professora, procurando orientação mais profissional (ou melhor dizendo, para os que pretendem se tornar profissionais) e uma nova fase se iniciou. Foi uma separação difícil da querida Angela, que foi super importante na minha formação, mas foi um passo necessário em busca de horizontes mais desafiadores. Eu queria mais. E MAIS!

(Pequena Autobiografia, parte 1 de 5)

* * *
Bom, é isso. Essa foi a primeira de cinco partes dessa pequena autobiografia. Espero que tenha gostado da leitura!

A próxima parte fala da minha mudança para o Conservatório Brasileiro de Música e como se deu minha formação e meu amadurecimento como pianista.

Ela já foi publicada, aliás. Adoraria compartilhá-la com você. Dá um pulo lá pra ler o artigo Do Êxtase ao Desencanto.

Enquanto isso, seria muito bacana saber de você se também tem lembranças de alguma experiência da infância/adolescência que de alguma forma tenha influenciado na sua decisão de que caminho seguir na vida. Não deixe de escrever aqui nos comentários, tá bom? Respondo todos! 

Até breve!

Luiz

Ao piano novamente

ENFIM, AO PIANO NOVAMENTE!

Olá! Este é meu primeiro post por aqui! Muitas novidades vão ser anunciadas nesta página nos próximos meses e tenho preparado coisas bem legais para compartilhar. Para ilustrar este momento, por hora, deixo aqui algumas de minhas composições postadas no Soundcloud. É só clicar.

Recentemente postei o primeiro videoclipe desta nova fase tocando uma música minha bem recente, chamada Despedida. Há outros clipes já filmados onde toco trilhas sonoras de filmes e outras composições minhas, mas esse material vai sendo postado aqui aos poucos.

* * *

Esse momento de retorno me faz lembrar muito das minhas primeiríssimas aulas de piano, nos idos de 1988… Minha professora tinha um calendário japonês ao lado do piano com umas frases inspiradoras e reflexivas. Uma delas me marcou muito e nunca mais esqueci: A Espera que Amadurece no Silêncio Caminha Sempre para um Encontro. Vinha com uma bela ilustração japonesa feita à mão de uma criança no cume de uma montanha olhando para o mundo aberto à sua frente.

E minha professora dizia, se referindo a essa frase: “é preciso saber esperar, Luiz. Ter paciência e se dedicar à sua Arte com serenidade. Os resultados virão no devido tempo”. E assim se deu, de fato. Vivi desde então experiências maravilhosas com minha música e meu piano por alguns recantos desse mundo ao longo de mais de 20 anos de muito trabalho. Até que em 2009 vim a me afastar um pouco da minha vida artística. Naturalmente mesmo, sem muito planejar.

Foi uma longa pausa, um parênteses da vida para que eu pudesse viver novas experiências e enxergar a vida e a música por um outro ângulo (agora vivo nas montanhas, afinal de contas). Não posso deixar de pensar nostalgicamente naquela frase neste momento de reencontro, depois dessa silenciosa e serena espera dos últimos anos.

É bom estar de volta. :_)